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sábado, 2 de maio de 2009

Cisne e Gina.


Procurei rever de onde alimento tanta adoração pelo casamento. Abrir a carne e encontrar a fratura sentimental. Reerguer a roldana do poço e espiar o fundo do balde.

Há um romantismo ingênuo que tenho que sufocar para não ficar doentio (perfume caro torna-se barato se usado em excesso).

Prendo minha mão para não desenhar corações nas planilhas do Excel. Distancio-me da tevê quando é transmitido Miss Universo. Não posso passar rapidamente por reprise de filmes como Love Story. Se alguém chora ao meu lado, empresto os olhos mais do que o lenço.

Sou um completo imbecil. Partidário de que água tem cheiro e sabor. Quanto mais simples, mais verdadeiro.

Não serei inteligente no meu tempo cético e pessimista, em que casar é comprar um pacote turístico com direito a hotel, transporte, guia e crachá. E a separação é simplesmente voltar da viagem e desfazer as malas.

Surjo inexperiente diante do alerta ácido dos meus amigos. Casar sempre foi para mim pagar prestações da residência até envelhecer. O que se pode pagar à vista não tem graça.

De onde, afinal, veio esse distúrbio?

Distúrbio, claro, eu me vejo como um doente, minha carência é maior do que a satisfação. Nunca joguei para longe um besouro de minha gola. Com aquela soberba de escova e um horror implícito de caspa. Deduzindo que ele me incomodava (pelo contrário, pensava que o incomodava).

Botava delicadamente o bichinho de volta ao muro com a ponta das unhas. Deseja algo mais frágil? Assistindo ao espetáculo, meus tios me chamavam de maricona.

Mas não fui um guri de hábitos esquisitos. Não me animava a parar por mais de alguns minutos numa vitrine de noivas. Não vesti roupa da irmã. Não brincava de boneca, muito menos andava de carrinho com bebês no pátio. Não contei com nenhum desvio dos padrões de menino. Suava, raspava o couro, vivia sujo, cuspia, mijava em paredes no apuro do corpo.

Neste domingo, numa mesa rústica de restaurante, distraído ao mudar obsessivamente de lugar a gôndola do vinagre, azeite e sal, decifrei a origem de meu fanatismo.

Lembrei, lembrei, lembrei.

Enquanto meus irmãos devoravam seus pratos e ciscavam as panelas, para não perder o apetite com outras tarefas, encenava uma peça com a cortina do guardanapo. Desligado da pressa da comida.

Casava o bonequinho do Sal Cisne e Gina do palito de dentes. Ia ao restaurante somente para prosseguir a fantasia. Era meu par perfeito. Ambos com um riso bobão de apaixonados. Ele, gordinho e baixinho; ela, alta e loira.

Cisne retirava o boné azul com aproximação de Gina. Diálogos feitos de um receio educado. Gina não podia permanecer muito tempo na praça da salada porque seus pais logo voltariam da missa. Os dois sentavam nas curvas do garfo, balançando os pés do vento. E, principalmente, olhando para frente.

Eu confio, ainda confio que amar é quando o casal olha para frente. Despistando o nervosismo de suas mãos enlaçadas.



Fabrício Carpinejar

(http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/)

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