Parece bobagem, mas essa é a mais absoluta verdade: ninguém é obrigado a amar ninguém.
Não é porque se vive muitos anos ao lado de alguém que se tem obrigação de amar. Às vezes o amor vira amizade, às vezes é transformado num monstro carregado travestido de outros sentimentos ou fatos que não foram superados.
E isso acontece com qualquer um - homem, mulher, pais e filhos.
Bem, ao longo da nossa vida vamos acumulando tarefas e, quanto mais adultos nos tornamos, mais responsabilidades vamos adquirindo. E essas responsabilidades estão em todos os segmentos da nossa vida, seja no financeiro, seja no emocional, no profissional ou familiar.
Porém, a maior responsabilidade que uma pessoa pode ter é a educação de um filho. E essa é uma obrigação que levamos pro resto de nossas vidas. Aliás, como já escrevi aqui anteriormente, o que os nossos filhos se tornarão quando adultos depende diretamente dos exemplos e do amor que damos a eles.
E essa é a parte mais complicada da coisa.
Quando eles são pequenos, somos levados pelo instinto de "proteger", "cuidar" e "amar". Esses são fatores elementares que qualquer pai e mãe (responsáveis) têm. Conforme nossos filhotes vão crescendo, já não querem mais tanta proteção e cuidado, e acham que podem se virar sozinhos, mas continuam exigindo o amor. Quando se tornam adultos, filhos continuam como "crianças" para seus pais (ainda hoje eu ouço minha mãe perguntar para minha tia como vão as crianças, que têm 24 e 30 anos cada uma) e todo o amor e exemplo que receberam são aplicados com os próprios pais, com seus parceiros, com seus amigos e próprios filhos.
Isso é ordem natural da vida.
Porém, o que eu questiono hoje é o tom que imprimimos nesse "cuidar" e nesse "amar".
Me pego pensando - quase que diariamente - se estou abrindo espaço demais para o Lucca ou se estou mantendo a redoma de vidro. Porque meus pais me mantiveram assim até os 15 ou 16 anos: fechada para o mundo real, vivendo a realidade que eles consideravam segura para mim e insistindo de que isso era amor. Daí, quando conheci o que era, de fato, a vida, dei um milhão de cabeçadas por não ter sido preparada antes. E tomei uma infinidade de broncas, de castigos por ter errado.
Digo tudo isso porque vejo a minha situação como mãe solteira do Lucca. Eu tento prepará-lo, deixá-lo mais apto para as adversidades, para superar obstáculos. Nunca faço por ele, afinal, quem vai enfrentar o monstro nosso de cada dia é ele mesmo. E cabe dizer aqui que me dói pacas vê-lo apanhando em alguma situação - seja numa redação, que ele destesta fazer, seja num jogo que ele não se sai bem.
Não importa. Sigo acreditando muito naquele ditado que diz que a gente cria os filhos pro mundo. E se eu quero um mundo melhor, que seja por meio da educação do meu filho.
No entanto, também conheci um outro exemplo, só que nesse caso, negativo. E a vítima absoluta dessa história toda é o Zé.
Todos sabem que ele deixou sua vida própria de lado pra cuidar da sua mãe e assim o fez durante seis anos. E por quase cinco anos eu acompanhei de perto toda essa luta, por isso posso dizer que, apesar de parecer tão heróico, o ato foi resultado de um mix de amor e opressão.
Desde muito pequeno ele foi subjugado. Aliás, quem tem mais de 30 anos deve se lembrar de como era a educação - rígida, imposta, sem espaço para crianças, que eram alienadas do mundo,e na base do tapa, da chinelada.
Só que com ele a coisa foi mais pesada, tanto é que eu ouvi histórias que me deixaram estarrecidas, principalmente quando foram confirmadas por parentes, por sua mãe ou por seu irmão. Como quando ele apanhou com cinco dias de vida porque não parava de chorar e ela queria dormir. Ele tomou uma palmada na bunda com cinco dias de vida!!!
E muitas outras vezes ele voltou a apanhar porque também virou uma criança espivetada e um adolescente difícil.
Porém, ela construiu uma ligação muito forte com ele e eu acredito piamente que foi por meio do medo de ficar sozinha, afinal, ela ficou viúva muito cedo. Por isso subjugou o Zé e o fez criar uma dependência absurda. Mas, na verdade, era ela quem dependia dele pra tudo, tanto que o transformou um substituto para seu marido e, no papel de mãe, além da companhia, exigia obediência às suas ordens e o fazia acreditar que ele tinha obrigação de parar tudo por ela, já que tinha dado a vida a ele. E ele, obedecendo por ter certeza de suas obrigações, fazia tudo correndo para agradar.
No fim de todo o processo da doença dela, ele estava fazendo o trabalho da empregada: lavava, passava, cozinhava, limpava a casa toda, esfregava o chão. E a diarista, que ia semanalmente, passou a ir a cada quinzena. Ele era tratado como um empregado, um subordinado que, em troca de casa e comida, tinha tarefas a cumprir. Às vezes ela lhe dava uns afagos e lhe pedia para que nunca a abandonasse - por nada e por ninguém - porque ela nunca iria abandoná-lo.
E cada vez que eu questionava, era surpreendida com um discurso de que aquilo sim era amor entre mãe e filho. Não duvido de que ela o amava muito mesmo. Aliás, penso que esse amor absurdo foi resultado de tantas coisas tristes e pesadas que ela viveu. Por isso, tomou o Zé só para ela, como uma forma de se sentir amparada.
Quando ela morreu, ele entrou em parafuso. Não havia mais ninguém para lhe ordenar, para lhe dizer o que fazer, nem para dirigir sua vida.
Ao contrário do que todo imaginavam, ele não se libertou.
Contei toda essa história porque fiquei profundamente triste em ver como o Zé está perdido, sem saber por onde ir, de que forma começar. E porque esse é um exemplo de como a obrigação no amor pode até mesmo acabar com a vida de uma pessoa.
Que ele tem uma parcela de culpa nessa história toda, ele sabe que tem, e até já admitiu. Porém, foram quase vinte anos vivendo assim, e ninguém se despe de um fardo tão grande como esse do dia pra noite.
Ontem ele me disse que queria morrer, já que não vê mais utilidade nenhuma em sua vida, e a tristeza e saudade estão falando muito alto também. E ele chorou como uma criança de cinco anos que quer ter seus parâmetros de volta, mesmo sabendo que está tudo acabado. Não deve estar fácil a adaptação de viver sozinho, escolher sozinho, ser feliz sozinho.
E eu fiquei sem dormir, pensando em tudo isso. E cheguei à conclusão que, por mais que eu me sinta sozinha, jamais vou obrigar meu filho a estar comigo e a me amar. Porque o amor - definitivamente - não é uma obrigação.
Postado por Andréa (que apesar de tudo, ainda ama o Zé e acredita que ele vai sair dessa e construir uma vida muito feliz).
1 comentários:
nossa Dea, que texto forte e emocionante... além de td, mto verdadeiro. qdo a gente cerca uma pessoa de amor, principalmente nosso filho, depois vem aquela culpa, o medo de estar protegendo demais, ou então, de menos. mas qdo vemos este tipo de resultado, que infelizmente acontecem com mais frequencia do que imaginamos, temos certeza de que manter o equilíbrio ainda é a base correta, mesmo qdo falamos de algo tão sublime como o amor. lindo texto! beijos
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