Eu adoro a palavra. Sou fascinado pela palavra, não é nenhuma novidade isso.
Mas não coloco mais a palavra em primeiro lugar. Não sou mais coletor de ofensas.
Se meu filho explode e avisa que não me ama não irei castigá-lo ou obrigarei que ele desminta em minha frente. Não o puxarei pelos braços, não responderei para procurar um pai diferente, não subirei no púlpito e ordenarei maldições. Tem a liberdade para me odiar. Eu sei que ele me ama. Eu sei que ele me quer.
A sabedoria não está em evitar o sofrimento, e sim ao não fugir dele.
Já observei casamentos desfeitos porque um falou para outro que acabou e não voltava mais. E nenhum dos dois cedeu e insistiu e perguntou de novo. Passaram a história inteira para provar o que ele ou ela desperdiçou e o dano irreparável de suas frases.
Enterremos logo nossas maldades para velar as injúrias. É só oferecer ao nosso par a mesma capacidade que temos de nos perdoar. Desapareceria metade dos problemas. Os inimigos são netos de nossas teimosias.
Castigamos com silêncio quem temos certeza que nos ama, torturamos com silêncio quem temos certeza que nos ama, somos indiferentes a quem temos certeza que nos ama. Por uma palavra dita na dificuldade absoluta de comunicação. Não vale o que foi vivido antes, será enviado um boleto bancário de um grito, de um palavrão, de uma observação injusta. A cobrança será eterna quando seu significado era provisório, próprio do desabafo, de um momento infeliz.
Não conheço dor que não seja desajeitada, ela vai declarar do jeito errado e do modo errado. Por que não desculpar?
Terapeutas conhecem o assunto a fundo. Toda discussão é um desespero e não pode sair agrados e elogios. Mesmo assim, fazemos de conta que é difamação e desrespeito. Mais fácil odiar do que continuar trabalhando as próprias limitações.
O boicote é uma forma de educar pelo sacrifício. A pior forma. É ficar preocupado em honrar o castigo. É preparar uma vingança ao invés de se distanciar um pouco para entender o que gerou a discórdia.
Trata-se ainda de um sacrifício mútuo, os dois vão perder a possibilidade de criar uma intimidade maior e mais generosa.
Aquele que atacou pedia ajuda. E atacou pois não sabia justamente pedir ajuda. Preocupados em nos defender, não alcançamos o apelo e retribuímos o inferno.
A palavra engana.
A palavra manda embora e o corpo pede um abraço. Há de se procurar o gesto. O que me interessa é o gesto, o resto da palavra. A origem. Se aquilo foi feito para permanecer mais perto.
Quando viajo para serra gaúcha, as estradas me ensinam a importância do que é torto. Elas seguem a natureza ardilosa dos morros, assustam com suas curvas, mas sempre me deixam na cidade em que nasci.
É na briga que mostraremos nossa criatividade. Poderemos repetir os clichês: desaparecer para impor uma lição ou aparecer com namorado/namorada para humilhar ou fingir que nada sente. Poderemos repetir as convenções, defender o orgulho acima de tudo, nos preocupar com a honra mais do que com a relação, chamar de preguiça a falta de cuidado com o que foi dito, reclamar responsabilidade, impor ao outro a severidade de nossos princípios para mostrar o quanto somos nobres, coerentes e firmes.
Ou poderemos contrariar as expectativas com um talento incomum ao humor e ao entendimento.
Só um debate tem tréplica. O diálogo não conta o tempo nem limita o direito de falar.
Se a separação depende de motivos, a reconciliação é muito melhor, não precisa deles.
Amor não dá a última chance, dá chance sempre. O capricho é cuidar do erro. Não há capricho sem usar a borracha e reescrever de novo.
texto de Fabrício Carpinejar
Postado por Andréa (que quis ilustrar o que escreveu semana passada com o texto original do autor)
2 comentários:
Déa, este etxto é um tapa com luva de pelica. Assim como as palavras.
Adorei, dói até ler e saber q é td verdade. Este cara escreve mto.
Ótimo o texto !
Nem sempre aquilo que pensamos conseguimos repassar através das acões, muitas vezes elas significam o contrário.
Bjsssss
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